quarta-feira, 31 de março de 2010

...



Cora Coralina

Saber viver


Não sei... Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura... Enquanto durar

'Amigas' borboletas



Por que um post reservado às borboletas?
Fácil e simples de se explicar. Pelo significado que elas exprimem, pela beleza que carregam, mesmo discretas e simples na aparência. Afinal, borboletas representam mudança, metamorfose, transformação, viagem, (re)nascimento, a alma, e até mesmo a força interior; já que a borboleta (animal) passa por transformações até conseguir romper seu casulo e ficar repleta da magnitude que possui, assim como a conquista de sua liberdade e da capacidade de alçar voo. Nesse contexto de transformação e (re)descoberta da força interior, está o homem, também animal, no entanto racional, mas que em detalhes singelos se iguala a uma borboleta, que apesar de agir por instinto transparece a mais bela das belezas (sim, isso foi pleonástico!). Para finalizar, um poema 'infantil' de Vinícuis de Moraes, mas que para aqueles que possuem sensibilidade suficiente, representa fonte de inspiração e afago pra alma.


AS BORBOLETAS


Brancas
Azuis
Amarelas
E pretas
Brincam
Na luz
As belas
Borboletas

Borboletas brancas
São alegres e francas.

Borboletas azuis
Gostam muito de luz.

As amarelinhas
São tão bonitinhas!

E as pretas, então…
Oh, que escuridão!



Vinícius de Moraes



Oswaldo Montenegro - A Lista

Um pouquinho de Oswaldo Montenegro, cantor, poeta e artista, com muito carinho.


A Lista

Faça uma lista de grandes amigos,
quem você mais via há dez anos atrás...
Quantos você ainda vê todo dia ?
Quantos você já não encontra mais?
Faça uma lista dos sonhos que tinha...
Quantos você desistiu de sonhar?
Quantos amores jurados pra sempre...
Quantos você conseguiu preservar?
Onde você ainda se reconhece,
na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora...
Quantos mistérios que você sondava,
quantos você conseguiu entender?
Quantos defeitos sanados com o tempo,
era o melhor que havia em você?
Quantas mentiras você condenava,
quantas você teve que cometer ?
Quantas canções que você não cantava,
hoje assobia pra sobreviver ...
Quantos segredos que você guardava,
hoje são bobos ninguém quer saber ...
Quantas pessoas que você amava,
hoje acredita que amam você?


Oswaldo Montenegro 

domingo, 28 de março de 2010

La Nuit Blanche

La Nuit Blanche é um evento que ocorre anualmente em Paris e tem como finalidade a valorização das artes sob seus variados aspectos. A postagem refere-se a um vídeo desse evento e postei-o para que seja apreciado, afinal, apesar de se tratar de imagem, nota-se a arte, a poesia e a sensibilidade. Vale a pena vê-lo! 

A subida


Abaixo um conto de Fábio Rocha cheio de inspiração e com 'sabores' românticos. 


Sérgio subia o morro ao entardecer. Sozinho. Carregava apenas uma mochila. A cada passo parecia tentar deixar seu passado lá pra baixo. Os problemas, as dores, os amores e o tédio iam ficando. O céu estava maravilhoso, entre o rosa e o roxo. Ventava meio frio. E ele gostava.
Que o leitor não pergunte por que ele resolvera subir ali... Estava de férias, nada de bom pra fazer, e ele sempre admirou aquele morro próximo de seu prédio. Passou horas de sua vida admirando aquela paisagem de longe, da janela. Algo faltava em sua vida. E algo o atraía no morro. Então, resolveu ir até lá.
Chegou no cume. Ajeitou seu saco de dormir e sentou-se nele. Riu ao notar que agora a vista era seu prédio e vários outros, formando uma camada acinzentada e irregular entre a área verde que cercava sua cidade. Havia poucas árvores no alto do morro e a visibilidade era ótima. Cansado pela subida, bebeu um pouco de água do cantil e deitou-se. Ficou admirando o céu, agora mais escuro. Sentiu certa paz... Tranqüilidade... Mas, como sempre, a falta de alguma coisa. Viu alguns meteoros e caiu no sono.
Acordou meio assustado. Não sabia quanto tempo tinha ficado dormindo. Mas tinha algo estranho com aquele lugar. Algo diferente, mas não sabia o que... Acendeu a lanterna e se levantou. A sensação continuava, mas nem ele nem o foco de luz achavam respostas. Ouviu um barulho no mato e foi verificar.
Notou que estava com medo. E que andar na escuridão absoluta no meio de um matagal era mais aterrorizante do que pensara. Ainda mais sozinho. Sentia medo do que a lanterna poderia iluminar a qualquer momento. Viu uma luz à esquerda e sentiu um arrepio. Apagou a sua lanterna e foi na direção da luz, devagar.
Que alívio sentiu ao ouvir uma voz feminina cantarolando... "É primaveeeera... Te amo..." Ligou a lanterna e foi se chegando, cantando também. A menina disfarçou o susto que tinha tomado e perguntou o que ele fazia ali.
"Tô acampando e você?"
"Eu também... Estranho. Acampo sempre perto daqui e nunca vi ninguém nesse morro. Hoje é a primeira vez que resolvo acampar aqui e me aparece um cantor..."
"É a primeira vez que venho. Eu via o morro do meu prédio e resolvi passar a noite aqui hoje. Sou meio louco, sabe? Não liga não."
"Que ótimo saber que estou sozinha com um louco aqui..."
Os dois riram e ele notou que ela era simplesmente linda... Sua face, com a luz da fogueira, parecia meio etérea. Às vezes até parecia meio radiante... Ele esfregava os olhos e tudo voltava ao normal. Se apresentaram e começaram a conversar. Incrível como tinham os mesmos gostos pra quase tudo que falavam. Mas que brilho era aquele em seus olhos?
Tudo parecia bom demais pra ser verdade. Após passar quase um ano se torturando nessas boates e só encontrando mulheres que nada lhe diziam, num morro, no meio do mato, achou aquela perfeição. Foram conversando mais de perto, ela reclamou do frio e ele a abraçou. Seus olhos, de perto eram de um verde ainda mais mágico, poético, absurdamente lindos. Ele se aproximou mais e os portais verdes se fecharam vagarosamente. O beijo era simplesmente...
Acordou. Será que ele tinha desmaiado? Olhou ao redor e estava no seu saco de dormir. Não conseguia acreditar que tudo aquilo tinha sido um sonho... Os olhos verdes... O nome: Ana... Tudo perfeito. Se sentiu tolo por se apaixonar por um sonho... Foi até o local onde ela tinha acampado e ele não existia, muito menos fogueira. Nada.
Desceu o morro pior do que quando tinha subido e voltou pra sua casa, lembrando todos os detalhes oníricos... Nunca teve um tão realista. Nunca achou ninguém tão perfeito... Tinha que ver logo que era sonho.
As aulas voltaram e não conseguia esquecer de Ana. Fez vários desenhos dela e espalhou pelo seu quarto. Contou a história pros seus amigos, que acharam uma loucura... Toda noite rezava pra sonhar com ela e não conseguia. Aliás, era muito raro lembrar de seus sonhos. Aquele foi mesmo especial... Seus pais estavam preocupados. Nem comer direito ele comia. Estava ficando maníaco com aquilo.
Um dia, no meio da aula de Literatura, lembrou que ela disse que acampava sempre perto daquele morro, certamente na floresta próxima. Mas ela era um sonho! E daí? Ele estava tão apaixonado que resolveu ir dormir na floresta aquela noite. Talvez lá, pelo menos sonhasse com ela de novo. "Há mais coisas entre o céu e a terra..."
E lá foi Sérgio, ao entardecer, na busca desesperada do que sabia nunca poder encontrar. A floresta parecia novamente ameaçadora, mas tinha resolvido dormir lá e entrou pelo meio do mato. Não muito, pra não se perder. Arrumou suas coisas, se deitou e tentou de novo pedir uma ajuda divina pra encontrar sua paixão. Riu ao notar que nunca tinha sido religioso até toda essa loucura. E ouviu uma voz. Alguém cantava distante: "É primaveeeeera... Te amo..." Levantou, sorridente, e, sem acreditar na coincidência absurda, entrou correndo pelo mato, guiado pelo som.
Viu uma barraca próxima e que a voz vinha de lá. Uma fogueira. Foi se aproximando. O cabelo era loiro e liso como o dela, mas estava de costas...
"Ana?"
Ela se virou.
"Quem é voc... Meu Deus... Sérgio? Eu sonhei com você!"
Era mesmo ela. Olhos verdes, corpo lindo, rosto perfeito... Ele se aproximou.
"Eu também, meu amor..."
E continuaram o beijo interrompido. Uma pequena luz oval, alaranjada e estranha passou por cima dos dois, zunindo baixinho. Saiu da fogueira e subiu aos céus, se perdendo entre as muitas estrelas. Não foi notada. Pelo menos por eles.

sábado, 27 de março de 2010

Espaço reservado: Alberto Caeiro

Reservei um cantinho desse simplório blog para a poesia de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Poeta que viveu em Lisboa, mas passou boa parte de sua infância no campo. Viveu com uma tia avó; sem estudo quase algum, poucas instruções primárias; e sem profissão. Abaixo, um trecho de uma de suas poesias.


                     Passou a diligência pela estrada, e foi-se;
                     E a estrada não ficou mais bela e nem sequer mais feia.
                     Assim é a ação humana pelo mundo fora.
                     Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos;
                     E o sol é sempre pontual todos os dias.


           Alberto Caeiro.

quarta-feira, 24 de março de 2010

José Paulo Paes: poesia, arte e alimento pra alma.

Hoje venho compartilhar um pouco da fonte inesgotável de arte que há nas obras de Paes. Escolhi um de suas prosas poéticas, em que o autor refere-se a sua avó, personagem marcante em sua vida e acredito que na vida de qualquer ser humano. A imagem da avó é sinônimo de aconchego e de paz pra toda pessoa que presa e valoriza  os valores familiares. Aqui, Paes faz menção à memória e busca resgatar a lembrança, ao mesmo tempo, alegre de sua avó em oposição à tristeza de sua perda, e retrata a forma como a avó foi tratada no fim de sua vida, tal como seus medos, as histórias contadas por ela e a debilidade ao longo dos anos.





DONA ZIZINHA
Criara-se numa fazenda no estado do Rio. Lá decerto foi que
  ouvira, da boca de alguma ex-escrava, as historias com que
  enchia de susto as noites de nossa infância: “Ai que eu caio!
  e caía uma perna. Ai que eu caio! e caía um braço”.
Cultivava os seus próprios terrores. Verdureiro que lhe batesse
  à porta era despachado incontinenti se, após um manhoso
  interrogatório, ela descobrisse que tinha horta perto do
  cemitério. Sepulturas e caveiras lhe davam asco invencível.
Mas gostava de histórias de crimes, sobretudo misteriosos.
Com seus olhos fundos, já fracos, ajudados por uma grossa
  lente de bolso que até hoje guardo, lia incansavelmente, e
  nos deixava ler, os folhetins trazidos toda semana pelo
  carteiro - Zevaco, Dumas, Conan Doyle.
O avanço da surdez com o passar dos anos, o crescimento
  dos netos que já não tinham gosto pelas suas histórias ou
  folhetins, a impaciência dos adultos de conversar com ela
  aos gritos, condenaram-na praticamente ao silêncio.
Não se sentava mais à mesa conosco para as refeições.
Preferia comer solitária na sua cozinha, o prato fundo sobre
  o colo à maneira da roça: arroz, feijão, couve, farinha e o
  bife sem sabor algum porque, de nojo, o lavava com sabão
  antes de fritá-lo.
Só se ia deitar depois de todos terem chegado, fosse a que
  horas fosse. Cerrava então as portas e as janelas com uma
  infinidade de chaves, trancas, ferrolhos, levando seu zelo ao
  ponto de prender pedacinhos de linha nos batentes. Às
  vezes nós crianças, quando acordávamos mais cedo do que
  ela, rompíamos os fios de linha para nos divertir com a sua
  muda perplexidade de supor violado, de fora para dentro ou
  vice-versa, o seu castelo inexpugnável.
Nele continuou a viver com a filha mais velha, também viúva,
  após a morte de J.V. e a dispersão do resto da família, cada
  qual para um lado. Por estranho que pareça, não consigo
  me lembrar da sua morte nem do seu enterro, embora me
  lembre muito bem de todos os outros enterros da casa.
Quem sabe nunca morreu, ela que tinha tanto pavor de
  cemitérios. Quem sabe não voltou, sem que nos o
  percebêssemos, para a fazenda fluminense de onde
  viera,levando consigo os velhos folhetins que ninguém mais
  se interessava em ler e as velhas histórias de assombração
  que já ninguém queria ouvir.
(PAES, José Paulo. Prosas seguidas de odes mínimas.1992, p.27-28)

sábado, 20 de março de 2010

Retrospecto


Derramo os olhos por mim mesmo… E, nesta
muda consulta ao coração cansado,
que é que vejo? que sinto? que me resta?
Nada

(...)


Humberto de Campos

sexta-feira, 19 de março de 2010

Ser grande

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.


Fernando Pessoa.

Sem 'como', 'quando' e nem 'porquê'

É tão complicado lidar com os caminhos que a vida nos impõe. Às vezes chega a ser doído. Tanta incerteza, tanta complexidade, misturada aos (des) sabores do vir a ser, vir a construir e do... As respostas são aquilo que mais se procura, mas que diante a essa teia de insegurança são simplesmente deletadas automaticamente, sem nem ao mesmo se ter direito de escolha, pelo menos uma escolha visível, palpável e nítida. É como no trecho de "Leve desespero" da banda Capital Inicial: "Eu não consigo mais me concentrar / Eu vou tentar alguma coisa para melhorar / É importante, todos me dizem / Mas nada me acontece como eu queria / Estou perdido, sei que estou / Cego para assuntos banais / Problemas do cotidiano / Eu já não sei como resolver...".


É estranho como nesses momentos de "leve desespero" a saudade se intensifica, os desejos se tornam mais perceptíveis (ou não), os sonhos mais distantes, surreais e inalcançáveis. Pode ser que a fraqueza tome posse do lugar do sonho, o alimento da alma e a máquina que gera a energia para o movimento dos motores da vida. Tudo tão distante, tão vazio, tão carregado de pessimismo e de solidão.
Dessa forma, o desejo maior é a segurança, o amor intenso, o autoconhecimento pleno, a sabedoria dos mestres, a certeza das escolhas e dos caminhos a seguir, a paz de espírito, a presença de... Tantas coisas, que se fosse pra descrevê-las detalhadamente, livros não seriam suficientes. A alma humana é complexa, vazia por natureza, um labirinto cheio de perguntas à procura desenfreada de respostas, soluções, no entanto, grande parte desses questionamentos permanecem vazios e alheios ao porquê de tudo e de todos.
Assim, prefiro deixar em aberto o assunto, sem um desfecho consistente, pois a vida e suas aflições, seus interrogatórios diários não têm fim, apenas estabelecem pausas semanais, mensais... Meio clichê, mas “a vida é uma caixinha de surpresas”, às vezes boas, às vezes ruins, só vivendo mesmo pra se (des) orientar nesse ‘aquário humano’.