quinta-feira, 29 de abril de 2010

Marcello Ricardo Almeida


Canção de feriado
(...) Onde? Aonde levar
essas crianças?
Na casa do sapo ou
na cama do grilo; e
chamar Dona Coruja
para elogiar todos
seus diletos filhos.
Pois mais vale um gosto
que dez mil réis
em cada um dos bolsos.
Onde? Aonde levar
essas crianças?
Corre atrás da delegada!
Não está. E o magistrado?
Procura-se uma resposta.
As crianças que nem gado,
à beira da vida, semimortas,
perambulam aí às moscas.
E a vida vai-se passando
feito uma das poesias
de Florbela Espanca;
sem as aventuras
de Robinson Crusoé;
sem ao menos sonhar
na Ilha do Tesouro.
Quem dirá viver a magia
no País das Maravilhas.
Nem Lobato, nem Esopo.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Martha Medeiros


Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, você é os nervos a flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra. 
Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora. 
Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, você é o pelo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda. 
Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo pelo o que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, você é o que você queima. 
Você é aquilo que reinvidica, o que consegue gerar através da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se obriga, você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia. 
Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Selo comentarista excelente


Esse selo dedico a todos aqueles que sempre visitam meu blog e deixam com grande carinho seus comentários. Todos são extremamente dignos de recebê-lo. A vocês, o "selo comentarista excelente". Aproveito ainda para agradecer as visitas, aqueles que me seguem, destinam parte de seus tempos na leitura de minhas divagações e à querida Sílvia, pessoa especial que me presenteou com esse selo.  Sinta-se, Sílvia,  como se o tivesse recebido em seu blog e com grande carinho. 
Grande abraço!

domingo, 25 de abril de 2010

Mário Quintana

I. DA OBSERVAÇÃO

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...

II. DO AMIGO

Olha! É como um vaso
De porcelana rara o teu amigo.
Nunca te sirvas dele... Que perigo!
Quebrar-se-ia, acaso...

III. DO ESTILO

Fere de leve a frase... E esquece... Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.

IV. DA PREOCUPAÇÃO DE ESCREVER

Escrever... Mas por quê? Por vaidade, está visto...
Pura vaidade, escrever!
Pegar da pena... Olhai que graça terá isto,
Sejá se sabe tudo o que se vai dizer!...

V. DAS BELAS FRASES

Frases felizes... Frases encantadas...
Ó festa dos ouvidos!
Sempre há tolices muito bem ornadas...
Como há pacovios bem vestidos.



VI. DO CUIDADO DA FORMA

Teu verso, barro vil,
No teu casto retiro, amolga, enrija, pule...
Vê depois como brilha, entre os mais, o imbecil,
Arredondado e liso como um bule!

VII. DA VOLUPTUOSIDADE

Tudo, mesmo a velhice, mesmo a doença,
Tudo comporta o seu prazer...
E até o pobre moribundo pensa
Na maneira mais suave de morrer...

VIII. DOS MUNDOS

Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.

IX. DA INQUIETA ESPERANÇA

Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dês o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório...

X. DA VIDA ASCÉTICA

Não foge ao mundo o verdadeiro asceta,
Pois em si mesmo tem seu próprio asilo.
E em meio à humana turba, arrebatada e inquieta,
Só ele é simples e tranqüilo.



XI. DAS CORCUNDAS

As costas de Polichinelo arrasas
Só porque fogem das comuns medidas?
Olha! quem sabe não serão as asas
De um Anjo, sob as vestes escondidas...

XII. DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis.., ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!

XIII. DO BELO

Nada, no mundo, é, por si mesmo, feio.
Inda a mais vil mulher, inda o mais triste poema,
Palpita sempre neles o divino anseio
Da beleza suprema...

XIV. DO MAL E DO BEM

Todos têm seu encanto: os santos e os corruptos.
Não há coisa, na vida, inteiramente má.
Tu dizes que a verdade produz frutos...
Já viste as flores que a mentira dá?

XV. DO MAU ESTILO

Todo o bem, todo o mal que eles te dizem, nada
Seria, se soubessem expressá-lo...
O ataque de uma borboleta agrada
Mais que todos os beijos de um cavalo.


Espelho Mágico, 1945

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Fagundes Varela

A Flor do Maracujá 

Pelas rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do Sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá !
Pelo jasmim, pelo goivo,
Pelo agreste manacá,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá.

Pelas tranças da mãe-d'água
Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá.

Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá !

Pelo mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá !
Pelas florestas imensas
Que falam de Jeová !
Pela lança ensangüentado
Da flor do maracujá !

Por tudo que o céu revela !
Por tudo que a terra dá
Eu te juro que minh'alma
De tua alma escrava está !!..
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá !

Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em - a -
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Drummond e Adélia Prado

Resolvi postar dois poemas. Um de Drummond e outro de Adélia Prado. Temáticas diferentes, estruturas parecidas, enfim, a poetisa dialoga com o "Poema de Sete Faces" de Drummond e realiza um interessantíssimo trabalho com as palavras.


Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Carlos Drummond de Andrade
__________________________________________

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado

sábado, 17 de abril de 2010

Luiz Fernando Veríssimo

Mulheres

Certo dia parei para observar as mulheres e só pude concluir uma coisa: elas não são humanas. São espiãs. Espiãs de Deus, disfarçadas entre nós. Pare para refletir sobre o sexto-sentido. Alguém duvida de que ele exista? E como explicar que ela saiba exatamente qual mulher, entre as presentes, em uma reunião, seja aquela que dá em cima de você? E quando ela antecipa que alguém tem algo contra você, que alguém está ficando doente ou que você quer terminar o relacionamento? E quando ela diz que vai fazer frio e manda você levar um casaco?
Rio de Janeiro, 40 graus, você vai pegar um avião pra São Paulo. Só meia-hora de vôo. Ela fala pra você levar um casaco, porque "vai fazer frio". Você não leva. O que acontece? O avião fica preso no tráfego, em terra, por quase duas horas, depois que você já entrou, antes de decolar. O ar condicionado chega a pingar gelo de tanto frio que faz lá dentro! "Leve um sapato extra na mala, querido. Vai que você pisa numa poça..." Se você não levar o "sapato extra", meu amigo, leve dinheiro extra para comprar outro. Pois o seu estará, sem dúvida, molhado...
O sexto-sentido não faz sentido! É a comunicação direta com Deus! Assim é muito fácil... As mulheres são mães! E preparam, literalmente, gente dentro de si. Será que Deus confiaria tamanha responsabilidade a um reles mortal? E não satisfeitas em ensinar a vida elas insistem em ensinar a vivê-la, de forma íntegra, oferecendo amor incondicional e disponibilidade integral. Fala-se em "praga de mãe", "amor de mãe", "coração de mãe"... Tudo isso é meio mágico... Talvez Ele tenha instalado o dispositivo "coração de mãe" nos "anjos da guarda" de Seus filhos (que, aliás, foram criados à Sua imagem e semelhança).
As mulheres choram. Ou vazam? Ou extravazam? Homens também choram, mas é um choro diferente. As lágrimas das mulheres têm um não sei quê que não quer chorar, um não sei quê de fragilidade, um não sei quê de amor, um não sei quê de tempero divino, que tem um efeito devastador sobre os homens... É choro feminino. É choro de mulher... Já viram como as mulheres conversam com os olhos? Elas conseguem pedir uma à outra para mudar de assunto com apenas um olhar. Elas fazem um comentário sarcástico com outro olhar. E apontam uma terceira pessoa com outro olhar. Quantos tipos de olhar existem? Elas conhecem todos... Parece que freqüentam escolas diferentes das que freqüentam os homens! E é com um desses milhões de olhares que elas enfeitiçam os homens. EN-FEI-TI-ÇAM!
E tem mais! No tocante às profissões, por que se concentram nas áreas de Humanas? Para estudar os homens, é claro! Embora algumas disfarcem e estudem Exatas... Nem mesmo Freud se arriscou a adentrar nessa seara. Ele, que estudou, como poucos, o comportamento humano, disse que a mulher era "um continente obscuro". Quer evidência maior do que essa? Qualquer um que ama se aproxima de Deus. E com as mulheres também é assim. O amor as leva para perto dEle, já que Ele é o próprio amor. Por isso dizem "estar nas nuvens", quando apaixonadas. 
É sabido que as mulheres confundem sexo e amor. E isso seria uma falha, se não obrigasse os homens a uma atitude mais sensível e respeitosa com a própria vida. Pena que eles nunca verão as mulheres-anjos que têm ao lado. Com todo esse amor de mãe, esposa e amiga, elas ainda são mulheres a maior parte do tempo. Mas elas são anjos depois do sexo-amor. É nessa hora que elas se sentem o próprio amor encarnado e voltam a ser anjos. E levitam. Algumas até voam. Mas os homens não sabem disso. E nem poderiam. Porque são tomados por um encantamento que os faz dormir nessa hora.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.
 

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Caio Fernando de Abreu


Uma história de fadas
Era uma vez o País das Fadas. Ninguém sabia direito onde ficava, e muita gente (a maioria) até duvidava que ficasse em algum lugar. Mesmo quem não duvidava (e eram poucos) também não tinha a menor idéia de como fazer para chegar lá. Mas, entre esses poucos, corria a certeza que, se quisesse mesmo chegar lá, você dava um jeito e acabava chegando. Só uma coisa era fundamental (e dificílima): acreditar.
Era uma vez, também, nesse tempo (que nem tempo antigo, era, não; era tempo de agora, que nem o nosso), um homem que acreditava. Um homem comum, que lia jornais, via TV (e sentia medo, que nem a gente), era despedido, ficava duro (que nem a gente), tentava amar, não dava certo (que nem a gente). Em tudo, o homem era assim que nem a gente. Com aquela diferença enorme: era um homem que acreditava. Nada no bolso ou nas mãos, um dia ele resolveu sair em busca do País das Fadas. E saiu.
Aconteceram milhares de coisas que não tem espaço aqui pra contar. Coisas duras, tristes, perigosas, assustadoras, O homem seguia sempre em frente. Meio de saia-justa, porque tinham dito pra ele (uns amigos najas) que mesmo chegando ao País das Fadas elas podiam simplesmente não gostar dele. E continuar invisíveis (o que era o de menos), ou até fazer maldades horríveis com o pobre. Assustado, inseguro, sozinho, cada vez mais faminto e triste, o homem que acreditava continuava caminhando. Chorava às vezes, rezava sempre. Pensava em fadas o tempo todo. E sem ninguém saber, em segredo, cada vez mais: acreditava, acreditava.
Um dia, chegou à beira de um rio lamacento e furioso, de nenhuma beleza. Alguma coisa dentro dele disse que do outro lado daquele rio ficava o País das Fadas. Ele acreditou. Procurou inutilmente um barco, não havia: o único jeito era atravessar o rio a nado. Ele não era nenhum atleta (ao contrário), mas atravessou. Chegou à outra margem exausto, mas viu uma estradinha boba e sentiu que era por ali. Também acreditou. E foi caminhando pela estradinha boba, em direção àquilo em que acreditava.
Então parou. Tão cansado estava, sentou numa pedra. E era tão bonito lá que pensou em descansar um pouco, coitado. Sem querer, dormiu. Quando abriu os olhos — quem estava pousada na pedra ao lado dele? Uma fada, é claro. Uma fadinha mínima assim do tamanho de um dedo mindinho, com asinhas transparentes e tudo a que as fadinhas têm direito. Muito encabulado, ele quis explicar que não tinha trazido quase nada e foi tirando dos bolsos tudo que lhe restava: farelos de pão, restos de papel, moedinhas. Morto de vergonha, colocou aquela miséria ao lado da fadinha.
De repente, uma porção de outras fadinhas e fadinhos (eles também existem) despencaram de todos os lados sobre os pobres presentes do homem que acreditava. Espantado, ele percebeu que todos estavam gostando muito: riam sem parar, jogavam farelos uns nos outros, rolavam as moedinhas, na maior zona. Ao toquezinho deles, tudo virava ouro. Depois de brincarem um tempão, falaram pra ele que tinham adorado os presentes. E, em troca, iam ensinar um caminho de volta bem fácil. Que podia voltar quando quisesse por aquele caminho de volta (que era também de ida) fácil, seguro, rápido. Além do mais, podia trazer junto outra pessoa: teriam muito prazer em receber alguém de que o homem que acreditava gostasse. Era comum, que nem a gente. A única diferença é que ele era um Homem Que Acreditava.
De repente, o homem estava num barco que deslizava sob colunas enormes, esculpidas em pedras. Lindas colunas cheias de formas sobre o rio manso como um tapete mágico onde ia o barquinho no qual ele estava. Algumas fadinhas esvoaçavam em volta, brincando. Era tudo tão gostoso que ele dormiu. E acordou no mesmo lugar (o seu quarto) de onde tinha saído um dia. Era de manhã bem cedo. O homem que acreditava abriu todas as janelas para o dia azul brilhante. Respirou fundo, sorriu. Ficou pensando em quem poderia convidar para ir com ele ao País das Fadas. Alguém de que gostasse muito e também acreditasse. Sorriu ainda mais quando, sem esforço, lembrou de uma porção de gente. Esse convite agora está sempre nos olhos dele:
quem acredita sabe encontrar. Não garanto que foi feliz para sempre, mas o sorriso dele era lindo quando pensou todas essas coisas — ah, disso eu não tenho a menor dúvida. E você?

domingo, 11 de abril de 2010

Carlos Drummond de Andrade

Sou suspeita para falar de Drummond, pois sou fascinada por suas obras e tenho um encantamento especial por seus poemas. Dentre eles, escolhi "A flor e a náusea", em que o poeta faz uma crítica à sociedade moderna, traduz sua dor ante a condição do mundo e demonstra o mecanismo, o materialismo e a falta de humanidade desse mundo caracterizado pela ausência de valores. É um poema lindo e digo que, até mesmo, atemporal.



A FLOR E A NÁUSEA

Preso a minha classe e a algumas roupas
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que triste são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita ou recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porem meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a policia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

sábado, 10 de abril de 2010

Cecília Meireles


Meu Sonho

Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Mário Quintana

Alma errada

Há coisas que a minha alma,  já mortificada não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há... e quem é que hoje faz questão de virgindades...
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda. (Desconfio até
que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente, o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Dom Casmurro

Escolhi Machado de Assis para este post, mais especificamente, um trecho de Dom Casmurro. Confesso ser essa uma de minhas obras prediletas. A trama me envolve e me fascina do início ao fim, minha sede de desbravar o próximo capítulo não cessa, mesmo que seja uma releitura da obra. E pra finalizar, aquela indagação sempre tão frequente permanece: Capitu traiu ou não Bentinho? Salve Machado de Assis!



Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que...
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.

Machado de Assis

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Dom Quixote de La Mancha


Numa pequena aldeia de Mancha, província espanhola vivia um fidalgo. Homem de costumes rigorosos e decante uma fortuna. Dom Quesada ou Queixano, ninguém nunca soube ao certo, vivia da exploração de suas propriedades, que mal lhe rendiam para manter uma simples aparência de abastança. Homem forte, altivo e nervoso, cultivava a caça como esporte e forma de abastecer sua mesa.
Aos cinqüenta anos, magro, alto, de gestos imponentes e certa altivez forçada, era mais conhecido por sua enorme biblioteca, onde empenhava toda moeda conseguida nas colheitas ou pela venda sucessiva de partes de suas terras, do que propriamente por sua esquisita maneira de viver. Entre um povo de raras leituras, como era o de sua aldeia, causava espanto e admiração aquela voracidade com que comprava e consumia livros e mais livros. E o mais intrigante era que toda sua biblioteca só abrigava livros sobre aventuras de cavalaria andante, na época coisa do passado.
Perambulando por sua propriedade ou visitando amigos da aldeia, o imaginoso fidalgo ia recompondo as aventuras que lia, incluindo-se no enredo principal herói e conduzindo a história a seu bel-prazer.
À força de tanto ler e imaginar, foi-se distanciando da realidade a ponto de já não poder distinguir em que dimensão vivia. Varando noites e noites à luz de um candeeiro, lia, relia e reconstruía, à sua maneira, desenrolar de todas as aventuras. Aqueles livros, ultrapassados pelo tempo e cheios de citações absurdas, contribuíram para confundir ainda mais a mente do fidalgo. [...]
De tanto imaginar, um dia rompeu o elo que o prendia a realidade. Num estado febril e agitado, iniciou uma existência onde só existiam personagens de cavalaria andante. Eram gigantes para derrotar, castelos que deviam ser assaltados, donzelas prisioneiras de algum tirano para salvar e legiões de bandidos para combater.

Foi assim que, completamente transtornado, resolveu que seria cavaleiro andante e partiria com suas armas e seu cavalo em busca de aventuras e perseguindo justa fama.
            Imaginando-se um predestinado pelo valor de seu braço e de seus nobres propósitos, apressou-se a iniciar a incomparável jornada.
            Rebuscando o sótão de sua casa, encontrou uma velha e enferrujada armadura que havia pertencido a seu bisavô há muito desaparecido. Depois de paciente trabalho, raspando a ferrugem, limpando o mofo e remendando alguns pedaços  perdidos a tempo, conseguiu uma armadura.
            Vencida essa etapa, foi em busca de seu cavalo, mesmo para um espírito perturbado, era impossível existir um nobre cavaleiro sem montaria.
            Ele possuía um pangaré que era usado nos serviços do sítio. O animal, apesar de magro e feio, pareceu um belo garanhão aos do fidalgo. Depois de muito pensar, deu-lhe o nome de Rocinante. Esse nome lhe pareceu sonoro e adequado. Se antes havia sido um simples rocim, nada mais justo que agora fosse um Rocinante.
            Batizado o cavalo, faltou-lhe um nome para si mesmo. Os nobres cavaleiros, personagens de seus livros, sempre trocavam os nomes. Ele deveria fazer o mesmo. Depois de oito dias remoendo o cérebro, encontrou o que lhe serviu como armadura da alma até o final de suas aventuras. Não seria mais simplesmente Quesada ou Quixano, e sim Dom Quixote. E, como faziam cavaleiros andantes, juntou ao seu o nome do lugar de origem: Dom Quixote de La Mancha.
Tudo preparado para a partida, percebeu que lhe faltava apenas encontrar uma nobre dama para apaixonar-se. Um cavaleiro andante sem amores era uma arvore sem frutos, um corpo sem alma. Se por azar ou sorte, derrotasse um gigante, teria que enviá-lo à sua amada para que servisse de escravo. Esse era o procedimento da nobre cavalaria andante e Dom Quixote queria seguir, fielmente, seus costumes. Por isso, resolveu eleger uma dama que seria guardiã de todas as suas conquistas. Num passado distante havia amado, em discreto silencio, uma robusta camponesa que, por morar num povoado vizinho e ter outros interesses, jamais se dera conta daquela secreta paixão. Chamava-se Aldonça Lourenço, mas ao fidalgo pareceu melhor dar-lhe outro nome. Era uma princesa e deveria chamar-se Dulcinéia. Como morava na aldeia Toboso, completou o apelido: Dulcinéia de Toboso. Esse nome lhe pareceu musical e digno de tão nobre senhora. Como, aliás, todos os outros que haviam escolhido.
            Estava pronto para buscar a glória das batalhas e o gosto da aventura. Completamente armado, montado no altivo corcel, lançou-se ao mundo.

Miguel de Cervantes

terça-feira, 6 de abril de 2010

Pequena parte do legado de Lima Barreto

Hoje reservei um espaço especial a Lima Barreto. Ele que foi um crítico ferrenho à República Velha, contrário ao nacionalismo ufanista; com obras de temática social, as quais privilegiavam os pobres, arruinados e boêmios. Dono de um estilo coloquial e despojado, o que influenciou muitos modernistas e causou, em oposição, insatisfação por parte dos parnasianos. A obra abaixo é um conto e reflete a crítica à discriminação racial feita por um grande artista, Lima Barreto.

O Pecado 
Quando naquele dia São Pedro despertou, despertou risonho e de bom humor. E, terminados os cuidados higiênicos da manhã, ele se foi à competente repartição celestial buscar ordens do Supremo e saber que almas chegariam na próxima leva.
Em uma mesa longa, larga e baixa, em grande livro aberto se estendia e debruçado sobre ele, todo entregue ao serviço, um guarda-livros punha em dia a escrituração das almas, de acordo com as mortes que Anjos mensageiros e noticiosos traziam de toda extensão da terra. Da pena do encarregado celeste escorriam grossas letras, e de quando em quando ele mudava a caneta para melhor talhar um outro caráter caligráfico.
Assim páginas ia ele enchendo, enfeitadas, iluminadas em os mais preciosos tipos de letras. Havia no emprego de cada um deles, uma certa razão de ser e entre si guardavam tão feliz disposição que encantava o ver uma página escrita do livro. O nome era escrito em bastardo, letra forte e larga; a filiação em gótico, tinha uma ar religioso, antigo, as faltas, em bastardo e as qualidades em ronde arabescado.
Ao entrar São Pedro, o escriturário do Eterno, voltou-se, saudou-o e, à reclamação da lista d’almas pelo Santo, ele respondeu com algum enfado (endado do ofício) que viesse à tarde buscá-la.
Aí pela tardinha, ao findar a escrita, o funcionário celeste (um velho jesuíta encanecido no tráfico de açúcar da América do Sul) tirava uma lista explicativa e entregava a São Pedro a fim de se preparar convenientemente para receber os ex-vivos no dia seguinte.
Dessa vez ao contrário de todo o sempre, São Pedro, antes de sair, leu de antemão a lista; e essa sua leitura foi útil, pois que se a não fizesse talvez, dali em diante, para o resto das idades – quem sabe? – o Céu ficasse de todo estragado. Leu São Pedro a relação: havia muitas almas, muitas mesmo, delas todas, à vista das explicações apensas, uma lhe assanhou o espanto e a estranheza. Leu novamente. Vinha assim:
P. L. C., filho de…, neto de…, bisneto de… – Carregador, quarenta e oito anos. Casado. Casto. Honesto. Caridoso. Pobre de espírito. Ignaro. Bom como São Francisco de Assis. Virtuoso como São Bernardo e meigo como o próprio Cristo. É um justo.
Deveras, pensou o Santo Porteiro, é uma alma excepcional; como tão extraordinárias qualidades bem merecia assentar-se à direita do Eterno e lá ficar, per saecula saeculorum, gozando a glória perene de quem foi tantas vezes Santo…
– E porque não ia ? deu-lhe vontade de perguntar ao seráfico burocrata.
– Não sei, retrucou-lhe este. Você sabe, acrescentou, sou mandado…
– Veja bem nos assentamentos. Não vá Ter você se enganado. Procure, retrucou por sua vez o velho pescador canonizado.
Acompanhado de dolorosos rangidos da mesa, o guarda-livros foi folheando o enorme Registro, até encontrar a página própria, onde com certo esforço achou a linha adequada e com o dedo afinal apontou o assentamento e leu alto:
– P. L. C., filho de…, neto de…, bisneto de… – Carregador. Quarenta e oito anos. Casado. Honesto. Caridoso. Leal. Pobre de espírito. Ignaro. Bom como São Francisco de Assis. Virtuoso como São Bernardo e meigo como o próprio Cristo. É um justo.
Levando o dedo pela pauta horizontal e nas “Observações”, deparou qualquer coisa que o fez dizer de súbito:
– Esquecia-me… Houve engano. É ! Foi bom você falar. Essa alma é a de um negro. Vai para o purgatório.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Manuel Bandeira

Os Sapos


Enfunando os papos,                                                  
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...

domingo, 4 de abril de 2010

O Pequeno Príncipe

_Não – disse o principezinho. – Eu procuro amigos. Que quer dizer “cativar”?
_É algo quase sempre esquecido – disse a raposa. – Significa “criar laços”…
_Criar laços?
_Exatamente – disse a raposa. – Tu não és pra mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…
……
_Minha vida é monótona. Eu caço galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens também E isso me incomoda um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourador. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo…
A raposa calou-se e observou por muito tempo o príncipe:
_Por favor… cativa-me! – disse ela.
_Eu até gostaria – disse o principezinho -, mas não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
_A gente só conhece bem as coisas que cativou – Disse a raposa. – Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
_Que é preciso fazer? – perguntou o pequeno príncipe.
_É preciso ser paciente – respondeu a raposa. – Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás um pouco mais perto…
….
Assim o pequeno príncipe cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
_Ah! Eu vou chorar.
_A culpa é tua – disse o principezinho. – Eu não queria te fazer mal,; mas tu quiseste que eu te cativasse…
_Quis – disse a raposa.
_Mas tu vais chorar! – disse ele.
_Vou – disse a raposa.
_Então, não terás ganho nada!
_Terei, sim – disse a raposa – por causa da cor do trigo.

Antoine de Saint - Exupéry

"E a poesia prevalece!"






O Teatro Mágico é uma trupe criada por Fernando Anitelli e que busca, através de suas músicas, explorar e criticar a situação desigual e desumana que se encontra a sociedade, com um perfil tipicamente questionador e contestador. Produzem músicas que são verdadeiras poesias e que valem a pena ser ouvidas.

Desassossego

E ela só queria um lugar aconchegante nesse mundo de utopias,
Algo que lhe soasse em tom de liberdade e com sabor adocicado,
Nada além da paz de espírito, da compreensão de si e de todos.


Tinha fases como a lua,
Queria o brilho das estrelas,
Almejava a imensidão do Universo,
Mas era dentro de si que encontrava não as certezas,
Porém o vazio e o emaranhado de 'porquês'.


Talvez fosse ela uma desajustada nesse mundo tão supérfulo,
Ou talvez ela buscasse aquilo que lhe fosse "invisível para os olhos";
Apenas uma certeza tinha ela:
A de que era necessário ter paciência e esperar o vento vir buscá-la.

sábado, 3 de abril de 2010

O retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde



“Dorian, Dorian, quando não o conhecia, representar era a única realidade da minha vida. Só no teatro eu vivia. Rosalinda uma noite, Porcia, na noite seguinte. As alegrias de Beatriz eram as minhas alegrias, como eram minhas tristezas de Cordélia. Eu acreditava em tudo. A gente vulgar, que representava comigo, tinha aos meus olhos um quê de vivido. Os cenários pintados eram o meu mundo. Eu só conhecia sombras e considerava-as reais. Você apareceu, ó meu formoso amor, e libertou-me a alma dessa prisão, ensinou-me a ver a realidade. Esta noite, pela primeira vez na vida, percebi o vazio, a falsidade, o grotesco da parada vã em que tenho figurado. Hoje, pela primeira vez, tive consciência de que Romeu é hediondo, velho e pintado; o luar do jardim é artificial e o cenário é vulgar; as palavras que digo são irreais, não são minhas não são o que eu desejaria dizer! Você me trouxe alguma coisa mais alta alguma coisa de que a arte é apenas o reflexo. Fez-me entender o que é realmente o amor. Meu bem, meu amado! Príncipe Encantador! Príncipe de vida! Estou saturada de fantasmas. Para mim, você é mais do que poderia ser toda a arte. Que tenho eu de comum com os fantoches de uma peça? Esta noite, no palco, senti que em mim já não havia mais nada. Apareci em cena convencida de que ia ser maravilhosa e percebi que seria incapaz de fazer o que quer que fosse. E, de repente, um vislumbre da minha alma, revelou-me o que isso quer dizer. Uma revelação que me encheu de júbilo! Escutei a vaia, sorrindo. Que pode essa gente saber de um amor como o nosso? Leve-me, Dorian; leve-me daqui, para onde possamos estar sozinhos. Eu abomino o palco. Podia arremedar uma paixão que não sinto, mas não posso imitar a que me queima como fogo. Oh! Dorian, Dorian! Compreende agora o que isto quer dizer? Ainda que me fosse possível, seria profanação fazer o papel de apaixonada. Você me fez perceber isso!”

Prêmio Dardos


O Prêmio Dardos é um reconhecimento dos valores que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.




O ganhador do "Prêmio Dardos" deve fazer:
1. Você deve exibir a imagem do selo em seu blog.
2.Você deve linkar o blog pelo qual recebeu a indicação.

3.Escolher outros quinze blogs a quem entregar o prêmio dardo.
4.Avisar os escolhidos.

Agradeço a Sílvia que me deu o meu primeiro selo. O seu blog é: http://cheio-de-coisa-nenhuma.blogspot.com/

Os blogs que eu nomeio são:

http://wwwrespingosadelia.blogspot.com/
http://inscries.blogspot.com/
http://wwwaeronauta.blogspot.com/
http://maquinasquesonhamcolorido.blogspot.com/
http://abarcadosamantes.blogspot.com/
http://leitoracritica.blogspot.com/
http://adoce-com-limao.blogspot.com/
http://sopadepoesia.blogspot.com/
http://nonleia.blogspot.com/
http://artescomtrastesetraquinagens.blogspot.com/
http://blogdasilnunes.blogspot.com/
http://arevoltadasfrases.blogspot.com/
http://elanaoedeverdade.blogspot.com/
http://elasestaolendo.blogspot.com/
http://cimitan.blogspot.com/

O silêncio das sereias


Prova de que até os meios insuficientes – infantis mesmo – podem servir à salvação:
Para se defender das sereias, Ulisses tapou os ouvidos com cera e se fez amarrar ao mastro. Naturalmente – e desde sempre – todos os viajantes poderiam ter feito coisa semelhante, exceto aqueles a quem as sereias já atraíam à distância; mas era sabido no mundo inteiro que isso não podia ajudar em nada. O canto das sereias penetrava tudo e a paixão dos seduzidos teria rebentado mais que cadeias e mastro. Ulisses porém não pensou nisso, embora talvez tivesse ouvido coisas a esse respeito. Confiou plenamente no punhado de cera e no molho de correntes e, com alegria inocente, foi ao encontro das sereias levando seus pequenos recursos.
As sereias entretanto têm uma arma ainda mais terrível que o canto: o seu silêncio. Apesar de não ter acontecido isso, é imaginável que alguém tenha escapado ao seu canto; mas do silêncio certamente não. Contra o sentimento de ter vencido com as próprias forças e contra a altivez daí resultante – que tudo arrasta consigo – não há na terra o que resista.
E de fato, quando Ulisses chegou, as poderosas cantoras não cantaram, seja porque julgavam que só o silêncio poderia conseguir alguma coisa desse adversário, seja porque o ar de felicidade no rosto de Ulisses – que não pensava em outra coisa a não ser em cera e correntes – as fez esquecer de todo e qualquer canto.
Ulisses no entanto – se é que se pode exprimir assim – não ouviu o seu silêncio, acreditou que elas cantavam e que só ele estava protegido contra o perigo de escutá-las. Por um instante, viu os movimentos dos pescoços, a respiração funda, os olhos cheios de lágrimas, as bocas semiabertas, mas achou que tudo isso estava relacionado com as árias que soavam inaudíveis em torno dele. Logo, porém, tudo deslizou do seu olhar dirigido para a distância, as sereias literalmente desapareceram diante da sua determinação, e quando ele estava no ponto mais próximo delas, já não as levava em conta.
Mas elas – mais belas do que nunca – esticaram o corpo e se contorceram, deixaram o cabelo horripilante voar livre no vento e distenderam as garras sobre os rochedos. Já não queriam seduzir, desejavam apenas capturar, o mais longamente possível, o brilho do grande par de olhos de Ulisses. Se as sereias tivessem consciência, teriam sido então aniquiladas. Mas permaneceram assim e só Ulisses escapou delas.
De resto, chegou até nós mais um apêndice. Diz-se que Ulisses era tão astucioso, uma raposa tão ladina, que mesmo a deusa do destino não conseguia devassar seu íntimo. Talvez ele tivesse realmente percebido – embora isso não possa ser captado pela razão humana – que as sereias haviam silenciado e se opôs a elas e aos deuses usando como escudo o jogo de aparências acima descrito.
Franz Kafka

Tudo quanto Sonhei se Foi Perdido

O que sonhei e antes de vivido
Era perfeito e lúcido e divino,
Tudo quanto sonhei se foi perdido
Nas ondas caprichosas do destino.

Que os fados em mim mesmo depuseram
Razões de ser e de não ser, contrárias,
Nas emoções que, dentro em mim, cresceram
Tumultuosas, carinhosas, várias.

Naqueles seres que fui dentro de um ser,
Que viveram de mais para eu viver
A minha vida luminosa e calma,

Se desdobraram gestos de menino
E rudes arremedos de assassino.
Foram almas de mais numa só alma.

 
Francisco Bugalho, in "Dispersos e Inéditos"