sexta-feira, 11 de junho de 2010

Manoel de Barros

Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era encher o tempo. Nossa data maior era o quando. O quando mandava em nós. A gente era o que quisesse ser só usando esse advérbio. Assim, por exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore e podia apreciar melhor os passarinhos. Ou tem hora que eu sou quando uma pedra. E sendo uma pedra eu posso conviver com os lagartos e os musgos. Assim: tem hora eu sou quando um rio. E as garças me beijam e me abençoam. Essa era uma teoria que a gente inventava nas tardes. Hoje eu estou quando infante. Eu resolvi voltar quando infante por um gosto de voltar. Como quem aprecia de ir às origens de uma coisa ou de um ser. Então agora eu estou quando infante. Agora nossos irmãos, nosso pai, nossa mãe e todos moramos no rancho de palha perto de uma aguada. O rancho não tinha frente nem fundo. O mato chegava perto, quase roçava nas palhas. A mãe cozinhava, lavava e costurava para nós.

Trecho do livro Memórias inventadas: a segunda infância.

4 comentários:

  1. A língua permite uma infinidade de belos jogos de palavras, sentimentos, vivências e emoções.
    Este texto é sem dúvida um desses exemplos.
    Bjs

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  2. Manoel de Barros é um dos meus pouco frequentadores autores. A obra é tão grande, mas, bem disse o poeta de Além-mar, o homem é pequeno.

    Abraços,

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  3. Adorei seu blog!!

    Estarei sempre a acompanhar e seguir!

    Espero que acompanhe minhas postagens também

    Beijoss

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  4. È sempre bom passar por aqui,adoro o seu blog,voltarei sempre.Abraços

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