domingo, 11 de abril de 2010

Carlos Drummond de Andrade

Sou suspeita para falar de Drummond, pois sou fascinada por suas obras e tenho um encantamento especial por seus poemas. Dentre eles, escolhi "A flor e a náusea", em que o poeta faz uma crítica à sociedade moderna, traduz sua dor ante a condição do mundo e demonstra o mecanismo, o materialismo e a falta de humanidade desse mundo caracterizado pela ausência de valores. É um poema lindo e digo que, até mesmo, atemporal.



A FLOR E A NÁUSEA

Preso a minha classe e a algumas roupas
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que triste são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita ou recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porem meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a policia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

4 comentários:

  1. Sim, este poema é de uma imensa profundidade, muito expressivo. Parabéns pela postagem. Abraços.

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  2. Renata,

    gostei da escolha do dia.
    passei mesmo para agradecer o comment. gostei. achei seu ponto de vista muito bonito e válido.

    abç

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  3. Adorei seu blog! Agradabilíssimo.
    Tanto que vou até seguir!!

    Beijitos, flor!

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