terça-feira, 20 de abril de 2010

Drummond e Adélia Prado

Resolvi postar dois poemas. Um de Drummond e outro de Adélia Prado. Temáticas diferentes, estruturas parecidas, enfim, a poetisa dialoga com o "Poema de Sete Faces" de Drummond e realiza um interessantíssimo trabalho com as palavras.


Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Carlos Drummond de Andrade
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Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado

7 comentários:

  1. Renata, eu to encantadaaaaa com seu blog.
    Quanta gente boaaaaaa aqui (Drummond, Adélia, Lya Luft e por ai vai).
    Muito bonito aqui viu. A gente sente uma leveza, que nem tem como explicar.
    Grande abraço!

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  2. Renata,
    Eu tenho um amigo da cidade de Adélia que me mandava folhas da árvore de sua casa e páginas e páginas com seus poemas... Eu torcia o nariz para a poetisa arredia que Adélia é nos dias comuns, mas hoje seus versos me falam de uma forma íntima e pessoal.
    Abraços,

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  3. Oi Renata,
    Gostei do seu blog
    Um abraço!

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  4. Foi inspirado nesse poema de Drummond, que Chico Buarque fez a música:
    " Quando eu nasci veio um anjo safado, o chato de um querubim, que decretou que eu tava predestinado a ser errado assim..."
    Enfim, dos anjos desse poeta nasceram vários anjos nos corações de muitos poetas.
    Lindas lembranças!
    Beijos
    Denise

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  5. Renata,

    Recebi uma vez um poema da Adélia Prado intiulado "Pranto para comover Jonathan":

    Os diamantes são indestrutíveis?
    Mais é meu amor.
    O mar é imenso?
    Meu amor é maior,
    mais belo sem ornamentos
    do que um campo de flores.
    Mais triste do que a morte,
    mais desesperançado
    do que a onda batendo no rochedo,
    mais tenaz que o rochedo.
    Ama e nem sabe mais o que ama.

    Curiosamente hj postei o último poema que recebi desta mesma pessoa, é de Ramón Sampedro, aquele do filme Mar Adentro.

    Beijos e boa quinta-feira,

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  6. Ah, adoro seu blog menina... É leve!!!
    Tão organizadinho rs
    Adoro blogs assim *-*
    E esses poemas são lindos!!!!
    Lembrei de uma música do Chico:
    "Quando eu nasci veio um anjo safado
    Um chato dum querubim,
    Que decretou que eu estava pré destinado
    A ser errado assim"
    *A música é isso, ou quase isso! rs
    Um beijo =*

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  7. Só agora vi que a Denise também fez tb lembrou da música hahaha
    Um beijo =*

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